quarta-feira, 27 de outubro de 2010

reflexão em momento de fechamento de ciclos


Monografia finalizada e me deparo com uma discussão inesperada. Lidar com classificações não é interesse da minha pesquisa, cujo tema é a leitura de uma obra escrita e ilustrada pelo artista plástico Fernando Vilela. Reconheço a importância dos conceitos para nortear os estudos e ajudar na compreensão das questões investigadas nas diversas áreas do conhecimento. Porém, meu objetivo foi procurar fundamentações teóricas para meu delírio ao experimentar essa obra. Tendo perto de mim a sabedoria[1] generosa da minha orientadora, viajei intertextualmente e aterrissei quando ela sinalizou. Por outro lado, fui impulsionada a desenvolver ideias explicitadas em apenas uma linha, quando mereciam um parágrafo. 

O movimento de sair da minha faculdade de origem, a FALE-UFMG (Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais) e entrar em outras unidades, outras bibliotecas, outras festas, auditórios, banheiros, salas e cantinas sempre fez parte do meu modo de viver a graduação. Entrei muitas vezes “na Música” e “na Belas Artes”, onde, inclusive, cursei disciplinas, como “Introdução à Intermidialidade”, em que cada aula era ministrada por um professor diferente. O trajeto de grandes ladeiras e escadarias que levam à FaE (Faculdade de Educação) foi percorrido durante os quatro anos, para chegar aos meus locais de estágio. Me interessa tudo o que acontece no campus: apresentações musicais sob a tenda da praça de serviços, espetáculos teatrais no gramado da reitoria, comunicações de grandes nomes como Maria Bethânia e Mia Couto e até mesmo a ocupação da reitoria pelos estudantes, registrada por mim em três posts[2] de meu blog da época e de cujas assembleias tomei parte. 

Dessa forma, me deslocar, ser nômade, sair da minha zona de conforto nunca foi um problema. Ao contrário, é o que busco. Romper não me faz estremecer, a não ser de avidez pelo novo. Conto, então, brevemente, que saio da casa de meus pais aos dezoito anos para morar em uma cidade (aliás, um estado) onde não possuo nenhum familiar sequer. Tive uma única briga com minha mãe, que queria que eu usasse salto alto e eu respondi que gostava de arrastar o pé descalço no chão do forró. Não tive medo de “chutar o balde”, como se diz, e cancelar meu registro no CRO (Conselho Regional de Odontologia) após sete anos de profissão e ir fazer Letras. Além disso, saí novamente da casa de meus pais, que nesse momento – e ainda hoje – moravam em frente ao mar para entrar em um apartamento sozinha com minhas roupas e sapatos, sem geladeira, sem fogão, e dormir sobre um edredom. A relação com meus pais sempre foi de amizade e respeito, mas eu queria minha liberdade e neles encontrei apoio.

A maior parte de meus amigos é artista e eu os conheci em um sarau, antes de ir fazer Letras. São ceramistas, poetas, artistas plásticos, designers, músicos, escritores. São Tiemi Daiten, Penha Schirmer, Renato Fraga, Cida Ramaldes, Alfredo Albuquerque, Danuza Menezes, Pedro Gazu, Bith... com eles conheci Manoel de Barros, Duchamp, Viviane Mosé. Ampliei meu mundo, me apaixonei ainda mais. Com eles dancei, falei e ouvi poesia, chorei de rir, conversei a sério, viajei para Itaúnas, Caraíva, Sana. De carro. Ouvindo música. Lendo versos como o do para-choque de caminhão que passou por nós na estrada da Bahia: “Ser livre é pouco para mim. O que eu quero é nem ter nome”.

Portanto, encaixar qualquer forma de arte em prateleiras, gavetas, escaninhos, etiquetando-as, para mim é uma forma de repressão, de restrição. Tudo se comunica, especialmente no século XXI, em que muitos paradigmas já caíram por terra e as diversas mídias se inter e intra relacionam. 

Quando um artista afirma que a ilustração é literatura, de imediato eu concordo. Depois paro, penso, lembro de artigos e livros com os quais aprendi e lanço minha indagação. Talvez tenham ouvido como se fosse uma asserção. Fato é que comecei hoje a pensar o diálogo entre a imagem e a palavra (texto visual e texto escrito) como um casamento. Duas pessoas com características próprias que se unem por afinidades, para conversar, dialogar, discutir, namorar, trocar, compreender, curtir. Mas elas têm sua individualidade, atenção! Uma não é chamada pelo nome da outra. Nesse sentido, o paralelo que faço é para dizer que o texto – entendido aqui em sentido amplo, sem considerar apenas o texto escrito com o código alfabético, mas pensando em vídeo, cinema, imagem, entre outros – visual, quando chamado de literatura, talvez esteja sendo submetido à hegemonia atribuída pela sociedade ocidental à cultura escrita, ao texto verbal. No meu modo de entender, após algumas leituras teóricas para produção da monografia, as artes possuem suas características peculiares e formas, tanto de serem realizadas como de serem recebidas, haja vista que não vemos todas as imagens da mesma forma; há os diferentes “trajetos do olhar”, conforme a obra com a qual se tem contato, como nos ensina Rui de Oliveira.

Saber o que é literatura, por exemplo (se escreve com maiúsculas ou minúsculas?), não foi uma grande preocupação de minha formação e sobre o assunto só ouvi no primeiro período do curso, ao ser introduzida à teoria literária, ou adiante, quando a pergunta surgiu em uma bela aula de literatura estrangeira de língua portuguesa. Talvez a explicação mais clara tenha sido dada pela Professora Graça Paulino, ao explicar que, para saber a resposta, vejamos se, em determinado texto, o que predomina é o discurso literário, entre os discursos que ali permeiam.

Deixando tal tarefa (a de classificar) para outros pesquisadores, torno a relacionar arte com liberdade. Ao fazer isso, logo me vem à mente novo turbilhão de palavras com as quais poderia ligar (ou link-ar?) a literatura: alternativa, diversidade, periferia urbana (nome de disciplina em curso com a Profa. Vera Casa Nova), resistência[3], erotismo, imagem. Ôpa! Imagem. Imagens. As palavras, tratadas no photoshop do escritor, por meio da técnica e da labuta com elas travada, como escreveu Drummond no poema “O lutador”, podem produzir imagens. 

No entanto, há certos acontecimentos que não podem ser descritos em palavras, como já diz a música cantada pelo Rei (ou Robertão, como queiram): “eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras, não sei dizer” e a de Zeca Baleiro: “eu não sei dizer / o que quer dizer / o que vou dizer”. Assim, as imagens, com suas características próprias, aliadas ao traço pessoal do artista, expressam ideias e proporcionam sensorialidade. Aí está um ponto fundamental de minha interrogação sobre a atribuição do nome “literatura” ou “texto literário” à ilustração: a potencialidade para provocar sensações. Buscando a distinção entre os significados de “literatura” e “lirismo”, entre “lírico” e “literário”, mesmo que em uma fonte não especializada, mas procurando mesmo um sentido corrente, encontro:
LITERATURA Sf 1 arte de compor ou escrever trabalhos em prosa ou verso com o objetivo de atingir a sensibilidade ou a emoção do leitor ou do ouvinte 2 disciplina que tem por tema as obras ou os autores literários 3 atividade literária 4 conjunto de obras literárias
LIRISMO Sm 1 subjetivismo poético 2 emotividade; ardor 2 caráter subjetivo ou romântico da arte
LÍRICO Adj 1 relativo à expressão dos arrebatamentos pessoais e entusiasmos subjetivos 7 aquilo que é poético ou emotivo
LITERÁRIO Adj 1 relativo às letras e literatura em geral, ou à cultura relacionada com a arte da palavra 2 de literatura 3 de obras de literatura 4 de pessoas cuja atividade está ligada à literatura 5 que denota aptidão para a literatura
(BORBA, 2004, p.848-849)

Diante do significado desses termos, tendo a compreender a ilustração como um texto visual lírico, uma composição artística cujo feitio traz para si, como na literatura, referências pessoais, técnica, subjetividade, estética... então, imagem e texto verbal, juntos, dão como resultado uma produção de arte em que vários estímulos são proporcionados ao leitor, por meio de recursos expressivos responsáveis pelo efeito que a obra produz no ser humano.


[1] De acordo com o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, organizado por Francisco Borba (2004): SABEDORIA Sf 1 habilidade de ver com clareza o que é verdadeiro e certo, e de fazer julgamentos corretos com base nessa habilidade 2 capacidade de avaliar adquirida pelas experiências ao longo da vida 3 conhecimento formal acumulado 4 alto grau de conhecimento; instrução vasta e variada; erudição 5 conhecimento justo das coisas; razão 9 comportamento sábio; bom senso 10 eficiência; competência; traquejo. (os exemplos foram omitidos).
[3] en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas
(Paulo Leminski)

2 comentários:

Gabriela Galvão disse...

Du, q post lindo.

E eu acho q o blogue, a sua familiaridade com esse universo (d blogues), te ampliou a percepção no sentido do casamento entre imagem e texto. Tiro por mim. A gente, na internete, eh fatalmente mais exposto a imagens. E ao tal casamento.

Ñ lembrava da frase do caminhão. Genial, nossa1 Espetacular. lembrei na horinha, mas jah ñ lembrava mais. Mto obrigada pela lembrança.

Sobre a rotulação, encaixotamento, tal: tinha um blogue (da Qieta) q tinha os melhores 'marcadores' e a característica era unir texto e imagem. E eram combinações inusitadas. eu me amarrava. pena q ñ existe mais. ela tem outros ou outro, mas o '+ uma dose' foi deletado. Uma pena, uma heresia!

Se der para vc ir por esse caminho, o d poetizar ateh essa esfera, pode ser uma saída ateh prazeroza. Se ñ; melhor praticar o desapego e a conformação (conformidade?), q ñ eh d toda ruim. ela pode nos servir, sim.

Eu acho.

Um grande beijo.

P.S.: vc falar d fim d ciclo no dia em q mudei o layout do meu blogue mais uma vez -e estou certa d q ainda ñ sabe disso-. Acho magiqinha, isso. Adoro essas coisas.

Mais beijo.

Juliana disse...

é. eu não vi ainda seu novo layout.

Um beijão.