quinta-feira, 22 de maio de 2008

Vez de Bela

Uma vez que havia aceitado, ficaria até o fim do jogo.
Depois da oitava rodada, vamos todos para a sala tomar um cafezinho?
Dona Leila gostava muito de juntar as visitas na sala para que contassem casos, falassem sobre os filhos e trocassem receitas.
Bela, não. A idéia de mais do que cinco pessoas reunidas (incluindo ela própria) representava uma situação tão repulsiva, que ela chegava a dar dois passos para trás, mudar a expressão facial e ter taquicardia cada vez que a madrinha pronunciava as palavras: “todos”, “sala” e “cafezinho”. Sempre recusava os convites para o carteado ou, se aceitava, ia embora antes de acabar a partida, evitando, assim, o cafezinho na sala.
Aquele dia, porém, Dona Leila estava premiando os vencedores do carteado com uma leitoa assada bem carnuda, propositalmente bem temperada. Bela, dessa vez, teria que participar da hora da merenda, caso contrário, não experimentaria sequer o gosto da disputa pelo adiposo suíno.
E foram para a sala.
Via todos ao mesmo tempo, mas não enxergava o rosto de cada um. As vozes eram misturadas, agudas, graves; as risadinhas ora sobressaíam em meio aos diálogos, ora ficavam como som de fundo para uma entonação diferente na fala de um cavalheiro. Os talheres batiam nas louças, as cadeiras eram arrastadas enquanto a campainha tocava. O pó de açúcar refinado já se espalhara no ambiente, com o roçar apressado dos dedões nos indicadores.
Bela se desconcertava, a sala era o centro de uma cidade grande: gente indo e vindo, falatório, buzina, mastigação. Sentia suas peças de roupa sendo tiradas como se ela fosse massa folhada se desfazendo em camadas que se destacam nas mãos das senhoras magras. Assim, ela ficava nua no canto da sala.
Sua xícara já estava vazia, mas, ainda assim, fazia o gesto de levá-la à boca para não ficar de mãos abanando. Sentia um cheiro intenso e desconhecido. Olhando em direção à janela, via dois cavalheiros e fumaça saindo das bocas.
Uma voz feminina firme foi ouvida subitamente.
–Vamos todos para a mesa iniciar a nona rodada?
Os convidados voltaram-se para a porta que levava à sala de jogos e lá estava Bela, a coluna muito ereta, queixo e sobrancelhas levantados, braços ao longo do corpo com os punhos virados para cima, a expressão aguardando uma resposta dos jogadores.
Uma senhora mexia seu café tomando cuidado para que a colherzinha não batesse nas paredes da xícara. Um cavalheiro se esforçava por mastigar a torrada bem devagar, de forma a não fazer barulho. Os olhos estavam todos arregalados ou quase isso.
Em seis segundos as pessoas recomeçaram a se movimentar, recolhendo as xícaras, as taças, as bandejas e já se ouvia: “-Vamos, vamos, sim!”, “-Já estamos voltando!”
Dona Leila agradecia a gentileza e a cooperação de todos e pedia que assumissem seus lugares na mesa redonda, dizendo que já, já, estaria com eles.
Bela segurava agora um iminente Royal flash, com seqüência de Dez ao Rei. Durante a décima quinta e última rodada, os convidados ouviram a voz dela apenas duas vezes: uma, se desculpando por haver espirrado. Outra, anunciando seu Ás de copas.

3 comentários:

GAZUL disse...

Bela come quieta!

Gabriela Galvão disse...

hahah Ela eh mineirinha q eu sei!

Bz!

Gabriela Galvão disse...

Ah eh rolou uma identificação, eu iria evitar pelo menos "sala" e "todos", hah!

Bz!